De cima
da prateleira, ela o via dançar com a princesa. Via o movimento dos
dois, cada passo, cada toque, tão bonitos, tão diferentes… dela. Mas
afinal, quem iria querer uma boneca de pano empoeirada pelos anos em que ficara
na prateleira? Ela indagava isso todos os dias, era a única coisa que ocupava
seu tempo, assim como sua mente. Ela ainda observava os dois dançando no
chão do quarto, enquanto se olhavam da maneira mais bonita que já havia visto.
Quando alguém a olharia assim? Até quando ia ficar na prateleira? Não aguentou
a dor desse pensamento, então arrancou seus olhos de pano… tão frágeis como
ela. Guardou-os dentro de seu bolsinho, junto com todos os seus sonhos
frustrados pela insegurança. Ainda podia ouvir a música vinda da caixinha de
música de sua menina, ainda conseguia imaginar os dois dançando, ainda
continuava a doer. Então descosturou suas pequenas orelhinhas, sabia que delas
nunca ouviria nenhum elogio ou alguém chamando seu nome, guardou-as junto com
seus olhos. Mas ainda doía… Queria gritar para amenizar a dor, queria conversar
com alguém, porém sabia que ninguém ia querer ouvi-la. Então tirou sua
boquinha, tão pequena, mas que guardava tão grandes palavras... e ninguém ao
menos sabia disso. Guardo-a junto com seus outros pedaços de pano. […] A dor já
deveria ter passado, havia ignorado os dois, havia ignorado tudo em sua volta,
mas ainda estava lá. Escondido entre tantos pedaços de pano e remendos, estava
seu coração. Calejado de tanto bater pelo sonho de ser feliz que nunca parecia
chegar. Por um instante, ela o sentiu bombear toda aquela dor por todo seu
frágil corpo de pano. Então o descosturou. Não podia mais exigir que ele
continuasse esperando algo que jamais iria chegar. Segurou-o por alguns
instantes e colocou-o ao seu lado para enfim descansar. Descansar de todas as
dores, todos os pensamentos que a faziam ter medo… Descansar do futuro. Ninguém
jamais saberá o que havia em seu coração. Apenas podia-se ler um pequeno
bordado nele: “Boneca de pano. Coração humano.” Pedro
Cabral
Gabriela, Maira e Priscila.
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